quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Culpa



Oi amigos,

Após um tempinho longe do blog eu resolvi voltar a escrever. Confesso que nos últimos dias havia momentos em que eu oscilava entre escrever coisas simples, como o cotidiano das crianças, e escrever outros assuntos um pouco mais complexos. Esses dias porém pensei em escrever algo que voltou a ser um tema importante na minha vida e que eu poderia compartilhar aqui no blog, mesmo porque se relaciona com tudo o que tenho vivido nos últimos tempos. Estou falando sobre o sentimento da culpa e sobre o fato de sermos filhos de Deus.

Como Cristão, o sentimento de culpa sempre me despertou atenção e curiosidade, pois foi somente compreendendo o que Cristo fez por nós, somente compreendendo a Graça que nos é dada através do sacrifício dEle é que podemos nos livrar de todo o sentimento de culpa. Porém mesmo compreendendo e aceitando isso de coração, sinto que ainda carrego várias culpas. Uma das principais hoje em dia, que é a que quero compartilhar aqui, tem a ver com a morte da Luciana.

Quem me conhece um pouco sabe que é uma característica minha querer fazer tudo, querer assumir várias responsabilidades e procurar dar conta de tudo. Não vou dizer que chego a ser perfeccionista, mas geralmente me cobro para que tudo dê certo. Sei que isso pode não ser bom. Quando recebemos o diagnóstico do câncer, a minha reação foi ficar parado, calado. A Luciana estava muito abalada e chorava muito, enquanto eu permanecia mudo. Naquela hora eu não chorei e praticamente não falei. Mais tarde...sozinho...no banheiro...eu chorei. Tentava compreender como algo tão terrível tinha acabado de “cair” nas nossas vidas e sentia que a minha responsabilidade ali era dar o máximo de mim para que ela ficasse bem e ficasse livre daquele mal. Era uma briga que começava e eu estava disposto a me entregar de corpo e alma. Eu amava a Luciana o suficiente para sacrificar qualquer coisa pela vida dela. O câncer tem disso...ele te chama para a briga...ele te dá uma esperança de vitória, por mais cruel ou agressivo que ele seja.

Boa parte do que aconteceu em seguida está escrito aqui. Foram 10 meses entre o primeiro sintoma e o falecimento dela. Várias opiniões foram ouvidas e a gente aprendeu a nunca confiar de primeira em toda opinião médica. Por várias vezes eu questionava os diagnósticos e tentava sugerir caminhos alternativos. Existia muita confusão a respeito do que era melhor fazer com a Luciana e com a Helena, e assim eu pedia a Deus que tranquilizasse o meu coração para escolher sempre o melhor caminho. Eu lia livros, assinava periódicos sobre câncer e me cadastrei em sites de centros de oncologia pelo mundo afora. Depois de colocar a Luciana para dormir eu ia para a Internet e passava horas pesquisando sobre novas drogas ou drogas alternativas. Mas chegou um momento onde nada parecia surtir efeito.

A Luciana faleceu em um domingo. Gostaria de citar dois acontecimentos ocorridos naquela semana. O primeiro foi que os médicos frequentemente me chamavam para me preparar para o pior. Lembro mesmo de fugir deles, de não estar no quarto quando eles chegavam, pois eu não queria ouvir o mesmo discurso. Quantas vezes o velho ritual da enfermeira me chamar “discretamente” para conversar com eles perto do posto de enfermagem se repetiu. No início discutíamos imagens, drogas e tratamentos. No final não havia mais nada a ser discutido. Nós nos entreolhávamos, concordávamos em algumas coisas e esperávamos os próximos acontecimento. Até que um dos médicos da equipe, um rapaz um pouco mais novo do que eu, me chamou em um canto para conversar. Ele gostava muito da Luciana e de mim. Lembro dele estar com lágrimas nos olhos (eu também chorava muito) e em determinado momento ele falou assim: “Woltony, ninguém é invencível”. Uma frase meio óbvia né? Eu lembro de concordar com ele no momento, mas no meu íntimo eu refutava com todas as minhas forças isso. Eu havia feito isso durante os últimos dez meses! O outro fato, e esse é o mais importante, aconteceu enquanto eu estava na capela do hospital e resolvi abrir a bíblia para ler. Foram três trechos de livros diferentes, porém todos eles falavam sobre morte. Na hora me veio uma voz interior que dizia que havia chegada a hora da Luciana. Era algo até bem claro para mim aquela “voz”. Mas mais uma vez eu refutei. Pensei que não queria ouvir aquela voz. No domingo da morte dela, eu não me revoltei. Não briguei com Deus. Lembro só de lembrar da expressão de Cristo: “Está consumado”. Liguei para o nosso oncologista daqui de Brasília e falei que queria fazer uma pergunta só: “Existia algo mais que eu podia fazer?”. “Não”, foi a resposta dele, com a voz embargada. “Vocês fizeram tudo. Vocês foram aonde quase ninguém vai, aonde quase nenhuma família vai”.

Para mim eu havia aceitado a morte da Luciana, por mais dolorido que fosse. Nas conversas com a minha psicóloga isso nunca foi um problema. Mas com o tempo, com a terapia e com algumas coisas que Deus vem mostrando para mim, comecei a perceber que tem duas coisas que ainda não fiz, duas coisas que ainda não processei. Uma é que por alguma razão eu me sinto culpado pela morte dela, eu permaneço com uma sensação que poderia ter feito mais e não fiz. A outra é que eu ainda não “entreguei” a Luciana para Deus. É muito estranho pois a minha parte racional aceita bem isso. O que mais eu poderia fazer? Com quem mais a Luciana poderia estar? Mas eu sinto que não são coisas 100% resolvidas no meu coração.

Ontem conversava sobre isso no meu grupo de estudo bíblico. Falava sobre algumas consequências que isso pode ter na minha vida (que inclusive já aconteceram), sobre a dificuldade que talvez eu tenha de pensar em um novo compromisso, sendo que ainda carrego algumas culpas, sendo que ainda tenho medo de não corresponder às expectativas que colocam em mim. Medo de não vir a ser um bom companheiro...medo de não fazer a pessoa ao meu lado feliz são pensamentos constantes. Enquanto eu falava isso um amigo meu comentou: “Woltony, nós somos filhos de Deus. Através de Cristo, Deus nos tornou filhos dEle. Mas nós não somos Deus!”. Sei que se fosse possível eu conversar com a Luciana, ela falaria para eu não me sentir culpado. Ela vivia falando para eu “relaxar” mais, para eu não me cobrar tanto.

A minha psicóloga ontem sugeriu que eu fizesse algumas atividades que talvez me ajudassem. Engraçado como a minha primeira reação foi refutar. Mas no final eu aceitei, com a condição que fosse aos poucos. Algumas coisas que ela sugeriu, mesmo simples, só de pensar já me faziam sentir aquele perto no peito.

Amigos, como eu acho que acabei escrevendo muito, vou parando por aqui. Prometo depois contar mais como as coisas estão indo e trazer mais noticias das crianças.

Um grande beijo e fiquem com Deus. Que Ele esteja sempre abençoando todos vocês!

Woltony, Luciana (eternamente), Pedro e Helena